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Foto do escritorFelipe Urbano

CRÔNICAS DO subSOLO | Polifonia





Foi falar com a amiga de muitos anos, já sabendo que nessas horas o que funciona é um pouco de humor. Entrou na sala assim.


— E aí, moça? Quer água com açúcar, maracujina ou outra coisa? Vou buscar para você.


Amiga de muitos anos, nem se deu ao trabalho de responder à brincadeira.


— Quero café, sem açúcar.


— Descafeinado?


— Cafeinado.


— Vai fazer bem para sua pessoa, pilhada como está?


— Pilhada por dez, pilhada por mil. Café mesmo.


A brincadeira tinha motivo de ser. A empresa estava trocando de ERP, a troca ia afetar todo mundo pelos três meses seguintes. Se tudo desse certo. O que ela achava improvável.


Diretora de TI, acompanhou todo o processo, desde o assessment do sistema antigo até a definição do novo. E tinha uma opinião: o novo ERP traria muita instabilidade, e a equipe de TI, competente mas enxuta, teria que se desdobrar para resolver os problemas a mais que a implementação do novo ERP geraria. Mas foi voto vencido.


Agora estava ela sentada na sua sala, persianas baixadas para ninguém incomodar, respirando fundo na tentativa de baixar o estresse. No fundo, o estresse não era o pior. O que mais doía era que estava na turma do contra. Agora teria que, dentro de uma hora, falar a uma audiência com quase cem pessoas sobre a mudança do sistema. Defender o que sempre lhe pareceu uma peneira para tapar o sol.


Diria sua opinião contrária para salvar sua autenticidade, mesmo sendo as mudanças favas contadas? Abraçaria o revés e salvaria o máximo de dignidade? Faria papel de coitada ou de mártir?


Mas que raio de mundo é esse em que a gente precisa ter uma opinião pronta sobre tudo o tempo todo?


O amigo chegou com o café, tomaram juntos, falando aquelas banalidades que tanto ajudam momentos antes de um evento importante.


Chegou a hora. Subiu na plataforma, fez as mesuras protocolares e logo começou a cantar loas ao novo sistema, enfatizando os pontos fortes e indicando os ganhos que a empresa teria. Avisou que esse tipo de implementação consome algum tempo e que, com paciência e boa vontade, tudo se resolveria. Assim que terminou sua fala, passou o microfone para os engenheiros que dariam informações mais técnicas e diriam quais eram as preparações necessárias para casa área.


Voltou para a sala, e o amigo de muito anos estava lá com um chá de passiflora. Não que o chá fosse conter todas as sensações contraditórias que tinha, mas era um gesto de amizade muito bem-vindo.


Ela podia ter defendido sua posição. Ela poderia ter usado seu sarcasmo para deixar suas críticas nas entrelinhas. Optou por ir com todo mundo. Optou pelo coletivo. Se a decisão oficial era por um ERP que era menos do que bom, ela ficaria para ajudar no que fosse necessário.


Ela sabia, lá por dentro, que seu exemplo nos dias seguintes seria mais forte do que sua contrariedade. Menos combatividade, mais braço amigo.


Conversou mais amenidades com o amigo de muitos anos, respirou fundo, arregaçou as mangas e foi cuidar da vida.

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EDITORIA | .felipeurbano


Créditos da foto: jonniedee

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