Sábado de noite, a amiga perfeccionista com cinco anos de empresa liga para a amiga perfeccionista com dez anos de empresa. O tom é urgente.
— Amiga, você tem que me ajudar, estou toda enrolada.
— Enrolada com o quê?
— Não vou conseguir entregar o projeto na segunda, vai ser um caos. Vai dar tudo errado. Vou ser demitida, vou passar uma vergonha danada, isso vai para o meu currículo, ninguém mais vai querer me contratar, justo agora que estava gostando da área e faço um negócio desses, as pessoas vão me odiar, eu vou me odiar, quer dizer, já estou me odiando, tanta gente vai ficar decepcionada e não vai mais falar comigo, vai ser um caos, inferno na torre. Ai que não me aguento.
A amiga perfeccionista, mas mais experiente, sabia que precisava falar alguma, menos “calma” e “relaxa, no fim tudo dá certo”. Disse outra coisa
— Acontece.
— Como assim, acontece? Achei que você ia me dizer outra coisa mais positiva.
— Nada disso. Sei que acontece. Aconteceu com você agora.
— Não tem outro jeito mágico?
— Você já conferiu tudo com cuidado? Pediu para alguém te ajudar na revisão?
— Uma amiga da faculdade que é muito boa em projetos veio aqui conferir o material, e ela concordou comigo que não dá para entregar na segunda. Talvez na sexta, com um pouco de sorte.
— Quem vai estar lá?
— Todo mundo. Financeiro, projetos, P&D, gerência e até mesmo um diretor.
— É, eu não queria estar no seu lugar.
— Já até estou sem unha para roer. Já foram todas.
— Então está na hora de aprender.
— Só se for aprender a fazer milagre.
— Não é disso que estou falando. Estou falando de aprender a perder.
— Mas não existe margem para erro na nossa área.
— Isso é o que dizem porque a cultura da empresa é assim. Mas pense comigo, como uma empresa de trezentas pessoas pode garantir que não haverá erro, nenhum ripo de erro, em nenhum dos departamentos? Isso simplesmente não funciona.
— Você está achando que tudo bem eu simplesmente não fazer uma entrega importante, que vai impactar outras pessoas?
— Não. Estou dizendo que você não vai fazer uma entrega importante, que vai afetar outras pessoas, e que a empresa terá que lidar com isso. Mas, por acaso, você faz ideia do porquê de não ter conseguido terminar no prazo? Você é tão certinha.
— Eu me comprometi com um prazo bem apertado, e não tinha muita experiência com o software de gestão de projeto, além de outras coisas que descobri no meio do caminho que não sabia fazer. Aí uma coisa encavalou na outra e deu nesse desastre.
— De amiga perfeccionista para amiga perfeccionista: por que você topou pegar o projeto com tempo tão curto?
— Porque eu achei que, com dedicação, eu conseguiria fazer tudo.
— Então, só aí já consigo enxergar dois erros. A empresa pedir prazo tão apertado, e você aceitar o prazo apertado.
— Mas isso não é desculpa. A culpa é minha porque eu aceitei.
— E você se superestimou.
— É verdade, verdade verdadeira, devo admitir. Fui bancar a heroína e agora vou sair de vilã.
— No fim, acho que você vai acabar sofrendo menos do que imagina.
— Mesmo? Por que você não diz isso aos acionistas?
— Está descontando sua raiva em mim, agora?
— Desculpa, mil perdões. Mas me ajuda, me dá alguma luz.
— Então deix’eu contar uma história. Faz uns oito anos, você não estava na empresa, eu o Fulano estávamos encarregados de um projeto de reformulação fabril. O prazo era curto, mas a gente achava que conseguiria. Fizemos de tudo: noites em claro, fins de semana gastos nisso, usando toda nossa motivação e inteligência. Mas olhamos errado a configuração das máquinas no chão de fábrica, e todo nosso trabalho ficou inutilizado. Imagina o que isso foi para mim, sendo perfeccionista como sou. Não dava tempo de arrumar e fomos para a reunião com a cabeça à prêmio, mas dissemos a verdade. Apresentamos um novo cronograma, na certeza de que o projeto seria entregue para outras pessoas.
— E aí, o que aconteceu? Já sei que não te demitiram.
— A diretoria resolveu amadurecer, admitir o óbvio, que era de se esperar um erro aqui e outro acolá. Claro que teve gente que queria nossa cabeça, mas estes foram voto vencido. A maioria optou pelo “o que não tem remédio, remediado está”. Deram mais um prazo para corrigirmos os erros, e o projeto foi bem-sucedido, não sem muita ansiedade do nosso lado.
— E aí?
— Sabe o Fulano? Pois ele é o diretor que estará na reunião. Claro que ele não poderá passar a mão na sua cabeça, mas ele sabe o que é errar e receber um tempo a mais para acertar. Acho que isso vai contar a seu favor. E mesmo que o resultado seja ruim para você, você terá aprendido com o erro. O que é notável, porque muita gente se especializa em esconder os erros ou jogá-los em outra pessoa. O que pode ser eficiente para a pessoa, mas sempre é ruim a empresa.
— Entendi...
— Pare tudo. Faça um relatório com o que funcionou, outro relatório com o que não funcionou e um relatório justificando um novo prazo, desta vez um prazo realista.
E prevaleceu a voz do perfeccionismo experiente.
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EDITORIA | .felipeurbano
Créditos da foto: Michael Ochs
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