Ela percebeu que a mão estava úmida, meio suada. Era seu sinal, ficava assim sempre que se sentia ansiosa. Respirou fundo diante do espelho, até mesmo o embaçou um pouco. Não era a primeira vez, não seria a última, então o jeito era enfrentar de frente.
Acertou a maquiagem com classe, para não ficar comum nem ostensiva demais. Batom escuro, uma perceptível mas discreta linha de máscara de cílios, uma ajeitada com o dedinho nas sobrancelhas que vieram já bem delineadas de fábrica.
Olhou-se pela última vez, e pensou ter visto alguém, um repente. Não deu atenção. A noite mal dormida por causa da apresentação, a quase obsessiva arrumação de roupas e equipamentos e gadgets, tudo pronto para vestir ou carregar. Ela tinha um medo doentio de errar.
Chegou no cliente com ares de mulher segura, senhora de si. Uma moça prestativa a levou até a sala de reunião, disse que podia pedir o que precisasse que ele providenciaria. Ela pensou que não precisaria de nada, mas agradeceu.
Abriu a bolsa e lá estava uma ausência que a estarreceu. Tinha esquecido de trazer a fonte do notebook. Abriu nervosamente, de mão já úmida, o notebook só para constatar que só tinha um pouco de bateria restante. Puxou o ar com uma picada de dor e ao mesmo tempo disfarçava mal a mão molhada.
Então veio a moça prestativa. Perguntou se estava tudo bem, ela disse que sim no automático, não queria que ninguém percebesse esse enorme deslize. Não nesse cliente, não nessa apresentação.
A moça prestativa era prestativa e adivinha, percebeu no ar o medo escondido atrás da maquiagem e do tailleur bem cortado. Pediu um minutinho e voltou com uma fonte, que era igual ao do computador que a moça prestativa usava. “Nem sei como como agradecer”. A moça pegou a mão dela, e disse que estava tudo bem, podia pedir o que precisasse.
Quer água, café? Café não. Um chá? Sim, um chá seria ótimo. De camomila, pode ser? Camomila é perfeito, sem açúcar, por favor. Já trago.
“Posso dizer uma coisa?”, perguntou a moça prestativa com o chá na bandeja. “Claro”, respondeu automaticamente enquanto pensava no quase desastre que tinha acontecido. “Todo mundo aqui conhece sua competência. Se você se concentrar na sua apresentação, o resto eu faço, tudo bem?”.
Pela primeira vez prestou atenção na moça prestativa. Tinha um rosto de linhas fortes, mas um sorriso tranquilizador. Resolveu acreditar nela e deixar de lado o autoflagelo do medo do fracasso. Fez sua apresentação, bicando de vez em quando o chá de camomila e olhando furtivamente para a moça prestativa que providencialmente ficou bem à vista com seu sorriso fácil.
Um sucesso, a apresentação. Quem fez as melhores perguntas no tom mais generoso? Ela, a moça prestativa do rosto com linhas fortes e um sorriso assegurador. A presença daquela moça a tranquilizou de tal maneira que esbanjou sem esforço sua competência profissional. E sim, o contrato seria assinado naquela semana ainda.
Chegou em casa e foi logo se desmontar. Quis lavar o rosto, passar demaquilante, se olhar e se recriminar pelo quase desastre. Respirou fundo, soltou o ar numa bufada em frente ao espelho, que ficou com aquele círculo embaçado. Num soslaio pensou ter visto a moça prestativa do sorriso acolhedor. Mas era apenas ela mesma.
Só que agora com uma vontade danada de democratizar sua recém-encontrada generosidade.
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