top of page
Buscar
Foto do escritorFelipe Urbano

CRÔNICAS DO subSOLO | Expiração




É sempre a mesma história. Ele sempre chega antes todas as vezes que se marca uma reunião.


Entra e vai logo para o seu canto, um canto de onde possa ser visto. Sua cabeça fica um pouco acima da altura da mesa, os olhos na altura do tampo. O nariz e o cavanhaque ficam ligeiramente para baixo, direcionado obliquamente para o chão. Ninguém consegue ignorá-lo, mas ninguém fala dele. Se alguém ousar endereçar sua presença, colherá as consequências.


Ele é feio, repulsivo e impossível de desconsiderar. Seu pelo é desvairado, como quem não se arruma desde o início dos tempos. O pelo é descolorido, desbotado, um desarrumo só.

Ele é o bode na sala. Sabe-se o que aconteceu com o rapaz que ousou dizer que o rei estava nu. Destino correspondente aguarda o desavisado que mencionar a presença do bode velho e incômodo.


O bode em questão estava se alimentando da inspiração das pessoas. O ar é mais leve do que o gás carbônico exalado, que vai se acumulando no chão. O bode precisa que as pessoas inspirem bastante e inspirem depressa, com ânsia e sofreguidão. É o que acontece se existe o nervosismo ou o medo da repreensão pública. Gás carbônico demais mata. O bode sabe disso, e quase ninguém mais.


Naquela reunião descobriram que, se continuassem inspirando rápida e ansiosamente, o bode fedorento se safaria outra vez. Então, por falta de ideia melhor, começaram a expirar.

Resolveram expirar suas dores, seus incômodos num ambiente seguro e acolhedor. Naquele momento de mágica coragem em que perderam o medo de ser demitidas e falaram o português simples e claro.


As pessoas começaram a expirar. Em vez de apenas inspirar, puxando o ar que teima em não vir, elas expiraram seus medos, suas teias. Elas falaram – expiraram – e encheram o piso da sala com gás carbônico. Ar suficiente para todos, mas sobrando gás carbônico no chão.

O gás carbônico no chão foi se acumulando até chegar às narinas do bode velho. No começo ele ficou apenas zonzo, mas com a expiração-libertação de todos, ele bambeou, caiu duro no chão e dali não se levantou. Ninguém sentiu falta.


Descobriram que um mundo em que não se expira é o melhor dos mundos para os bodes fedorentos. Mas daquela vez expiraram e, para surpresa de todos, fizeram o bode bambear e desfalecer. Uma libertação.


Pois há salas que precisam voltar a exalar o bom cheiro da honestidade.

-


Créditos da foto: Joram Krol

-


Expressões relacionadas < liderança >< lideranças possíveis >< liderança humanizada > < competência de liderança > < treinamento de liderança > < recursos humanos > < tendências de liderança > < mentoria de liderança > < desenvolvimento de liderança > < treinamento corporativo >

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page