top of page
Buscar
Foto do escritorFelipe Urbano

CRÔNICAS DO subSOLO | Engano





Ele era um azougue.


— E aí, meu amigo? Tudo em cima?


Ou


— Vamos em frente, pau na máquina.


Ele contaminava o ambiente com sua energia. Era um homem cheio de certezas.


Adorava chavões, e os repetia dentro e fora do contexto.


Gostava de dizer que vivia a vida intensamente, sem muita consideração pela opinião alheia. Dizia também que seus funcionários tinham que entrar na batida dele e-ponto-acabou. Nada de conversinha.


Acabava indo embora para casa, tomar uma chuveirada e deitar. O corpo parava, mas a cabeça frenética não. Ele revivia o dia em imagens ligeiras, desfocadas, que o faziam ter vontade de não precisar dormir. Mas o corpo para quem não para o corpo. Então ele ali deitado, em companhia de seu travesseiro.


Você sabe, para travesseiro não se mente. É o travesseiro que lembra as neuras, os medos, as ansiedades. As perguntas da insegurança que bate no peito sem dó. Aquele dorme-não-dorme em que os monstros vêm à tona assombrar os inadequados, os inseguros, os que precisam de artifícios para se sentirem valorizados.


Fez o que costumava fazer. Levantou-se e tomou um comprimido, que o obrigaria ao sono que emudeceria os ouvidos internos.


Acordou um trapo. Dormiu pouco, dormiu mal. Mal teve tempo de tomar um café, mas engoliu umas cápsulas com pó de guaraná que desceram goela abaixo com uma latinha de energético.


No outro dia vai para casa já angustiado, naquela apreensão, na vã esperança de que hoje receberá sossego de brinde. Toma uma chuveirada, deita querendo apressar o sono, que foge dele tão rápido quanto mais rápido ele quer dormir. Vira dum lado, vira doutro. As imagens do dia vão se apagando, o prazer que o efeito positivo das coisas boas vai escasseando, e agora o travesseiro espera sua mente ficar lenta para começar a sussurrar.


Ele poderia ter feito terapia para se livrar desta vida de comprimido para dormir, e pó de guaraná com latinha de energético para acordar. Ele poderia ter feito terapia para descobrir de quem são as vozes que emanam no travesseiro. Da mãe superprotetora? Do pai severo? Do irmão marginal, bem mais velho, que o vivia colocando para baixo? Dele mesmo, com essa necessidade absurda de aprovação?


Ele poderia ter saboreado mais o vinho, mas só gostava do álcool. Poderia ter abraçado mais, mas achava pegajoso e dava a impressão de fraqueza. Poderia ter elogiado os funcionários. Nunca elogiava que era para não acostumar mal. Poderia ter experimentado tanta coisa que estava à sua disposição, mas preferiu os clichês surrados, a mesmice de uma chatice só.


Em poucos anos ele se acabou com o freia e acelera, perdeu o viço e a graça. O coração começou a ratear. Envelheceu rápido, envelheceu mal.


É o que acontece com quem mente para seu travesseiro.-

-


Créditos da foto: Be_at

-


Expressões relacionadas < arte >< liderança >< lideranças possíveis >< liderança humanizada > < competência de liderança > < treinamento de liderança > < recursos humanos > < tendências de liderança > < mentoria de liderança > < desenvolvimento de liderança > < treinamento corporativo >

5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Σχόλια


bottom of page